As guardas municipais (GCM) vivem um momento de expansão e contradições no Brasil. Enquanto ganham espaço com efetivos maiores, uso ampliado de armas de fogo e novas atribuições sociais, ainda enfrentam carência de padronização, desigualdade de gênero e efetivos abaixo do ideal em várias capitais.
Efetivo abaixo do ideal
Um levantamento recente da Associação Nacional de Guardas Municipais (AGM) revelou que, em 2025, o efetivo de guardas municipais nas capitais brasileiras está muito aquém do ideal. O parâmetro defendido pela entidade é de um agente para cada 250 habitantes, mas nenhuma cidade alcança essa proporção.
Os melhores índices são de Campo Grande (1 para 761 habitantes) e Vitória (1 para 818). Já os piores casos são Manaus (1 para 3.971) e Porto Alegre (1 para 3.714). A disparidade chama atenção, considerando que a violência urbana e os crimes de proximidade — furtos, roubos, depredações — estão justamente entre os alvos prioritários da atuação das guardas.
São Paulo
Em termos absolutos, São Paulo lidera com uma GCM de 7.360 guardas, seguido por Rio de Janeiro (7.276) e Fortaleza (2.814). A menor corporação entre as capitais é a de Florianópolis, com apenas 180 agentes.

Expansão do armamento e mudanças no perfil
O debate sobre o armamento das guardas municipais tem avançado de forma consistente. Segundo o IBGE, em 2023 30% das guardas municipais utilizavam armas de fogo, contra 22,4% em 2019. Isso significa que 396 municípios já mantêm corporações armadas.
A distribuição é variada:
- 341 municípios utilizam armas letais combinadas com não letais;
- 55 municípios usam somente armas de fogo;
- 519 municípios empregam apenas armamento não letal;
- 407 municípios não possuem qualquer tipo de armamento.
Esse avanço gera duas leituras distintas dentro da área de segurança: de um lado, o reforço da capacidade operacional frente a situações de risco real; de outro, a preocupação com capacitação adequada, controle de abusos e integração com outras forças.
Crescimento efetivo
O crescimento do efetivo total também chama atenção. Em 2023, o Brasil registrava 101.854 guardas municipais, frente a 99.510 em 2019. Contudo, o aumento foi marcado por desigualdade de gênero: houve ingresso de 2.227 homens, contra apenas 117 mulheres no mesmo período. Atualmente, elas representam cerca de 15% do efetivo, com forte variação entre capitais. Fortaleza, por exemplo, tem 33% de participação feminina, enquanto Belo Horizonte não chega a 7%.
Novas atribuições e interação social
Além de patrulhamento e prevenção de crimes, as guardas municipais têm sido chamadas a desempenhar papéis sociais de maior complexidade. O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) lançou em 2024 o Projeto Gente, iniciativa que ouviu guardas de dez municípios em todas as regiões do país.
O objetivo foi captar a percepção dos profissionais sobre a população em situação de rua, especialmente no contexto de vulnerabilidade ligada ao uso de drogas. A partir das oficinas, será estruturado um curso nacional de capacitação, com meta de formar 90 mil guardas até fevereiro de 2025.
Essa aproximação evidencia uma mudança no olhar do poder público: as guardas passam a ser vistas não apenas como força auxiliar de policiamento, mas também como elo direto entre o Estado e populações vulneráveis.
PEC da Segurança Pública
O debate sobre o papel das guardas municipais ganhou força com a PEC da Segurança Pública, em tramitação na Câmara dos Deputados. O texto propõe que as corporações sejam reconhecidas constitucionalmente como órgãos de segurança pública municipais, atribuindo a elas responsabilidades além da proteção de bens, serviços e instalações.
Se aprovada, a PEC deverá consolidar o espaço das guardas no Sistema Único de Segurança Pública (Susp), ampliando sua integração com polícias civis, militares, federais e outros órgãos. Esse movimento, entretanto, exigirá ajustes orçamentários, padronização de treinamento e novas diretrizes de fiscalização.
Críticas e desafios
Apesar dos avanços, especialistas apontam alguns problemas estruturais:
- Baixo efetivo em várias cidades, comprometendo a capacidade de resposta;
- Falta de padronização nacional de treinamento e armamento;
- Desigualdade de gênero e baixa presença feminina em cargos de comando;
- Sobrecarga de funções sociais, sem o devido respaldo em políticas públicas integradas.
Além disso, a coexistência de guardas desarmadas e fortemente armadas no mesmo país gera descompasso operacional. Enquanto algumas corporações atuam com patrulhamento comunitário, outras já são empregadas em ações de alta complexidade, sem clareza sobre os limites de sua atribuição.
Força em transformação
O cenário das guardas municipais no Brasil revela uma força em transformação. Se por um lado os dados mostram crescimento, armamento e novas atribuições, por outro evidenciam desigualdades regionais e carência de padronização.
Para profissionais da segurança pública, a lição é clara: as guardas tendem a ganhar cada vez mais espaço como polícia de proximidade, mas isso só será sustentável com investimentos em formação, integração e reconhecimento jurídico pleno.
O futuro dessa corporação passa necessariamente por duas frentes: consolidação legal e profissionalização contínua. Sem isso, a tendência é que continuem oscilando entre o papel de mero vigilante urbano e o de agente de primeira linha em situações críticas, sem uma definição clara de sua identidade institucional.
QSL News: polícia em foco.