STF analisa ADPFs contra criação da Força Municipal do Rio.
Entidades de guardas municipais apontam inconstitucionalidade em lei que autorizou porte de armas e contratações temporárias.
Lei Complementar
A recente criação da Força Municipal de Segurança do Rio de Janeiro, divisão armada da Guarda Municipal carioca, abriu um novo embate jurídico e político no país. A iniciativa foi oficializada em junho de 2025, por meio da Lei Complementar Municipal nº 282/2025, sancionada pelo prefeito Eduardo Paes. O texto prevê a formação de uma tropa de elite da GM-Rio com autorização para portar armas de fogo, contratação temporária de agentes e a criação de cargos de confiança.
A proposta, porém, já é alvo de duas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) no Supremo Tribunal Federal. As ações apontam que a lei municipal extrapola competências constitucionais e fere princípios básicos da administração pública, como legalidade, impessoalidade e eficiência. O caso está sob relatoria do ministro Edson Fachin, que determinou prazo de dez dias para que a Prefeitura e a Câmara do Rio prestem esclarecimentos.

O que prevê a lei
A Força Municipal foi anunciada como uma resposta a desafios crescentes da segurança urbana no Rio de Janeiro. Segundo a lei, a nova divisão:
- autoriza o porte de arma de fogo para integrantes;
- permite a contratação temporária de agentes por um ano, renováveis até cinco vezes;
- cria o cargo de gestor de segurança municipal, sem concurso público;
- estabelece gratificação por porte de arma;
- prevê salários que podem alcançar até R$ 13 mil mensais.
A prefeitura defende que a medida busca reforçar a segurança local, diante de limitações operacionais da Guarda Municipal e da crescente demanda por policiamento em áreas turísticas e de grande circulação.
Questionamentos das ADPFs
Duas entidades nacionais ligadas à categoria das guardas municipais decidiram contestar a lei diretamente no STF.
A primeira foi a Federação Nacional de Sindicatos de Servidores das Guardas Municipais (Fenaguardas), que ingressou com a ADPF 1238. A federação alega que a lei:
- permite contratações sem concurso público, violando a regra constitucional de acesso ao serviço público;
- concede porte de arma a agentes temporários, sem garantias de preparo técnico adequado;
- amplia atribuições da GM para além do que a Constituição prevê.
Em seguida, a Associação Nacional de Guardas Municipais do Brasil (AGM Brasil) apresentou a ADPF 1239, reforçando os mesmos argumentos e pedindo suspensão imediata da lei.
STF cobra explicações
O relator Edson Fachin determinou que tanto a Prefeitura quanto a Câmara do Rio se manifestem em até dez dias. Após essa etapa, o processo será encaminhado para manifestações do Advogado-Geral da União (AGU) e do Procurador-Geral da República (PGR). Só depois disso o STF deve avaliar pedidos de liminar, que podem suspender a lei antes do julgamento final.
O Supremo terá de enfrentar novamente o debate sobre os limites constitucionais da atuação das guardas municipais, tema que já gerou precedentes recentes.
Contexto constitucional
A Constituição Federal, em seu artigo 144, não reconhece as guardas municipais como forças policiais. A elas cabe, segundo a interpretação consolidada do STF, funções de proteção de bens, serviços e instalações municipais, podendo exercer policiamento ostensivo comunitário em caráter suplementar.
No entanto, a corte já deixou claro que as guardas não podem assumir atribuições típicas das polícias militares ou civis, como investigações criminais ou policiamento ostensivo armado em substituição às forças estaduais.
No entanto, de acordo com o entendimento fixado pelo STF no Recurso Extraordinário (RE) 608588, com repercussão geral (Tema 656) , as guardas municipais não têm poder de investigar, mas podem fazer policiamento ostensivo e comunitário e agir diante de condutas lesivas a pessoas, bens e serviços, inclusive realizar prisões em flagrante, respeitadas as atribuições dos demais órgãos de segurança pública.
Nesse sentido, a lei carioca pode ser considerada um avanço indevido sobre a arquitetura constitucional da segurança pública no Brasil.
Repercussão política
A criação da Força Municipal divide opiniões. Defensores afirmam que a medida reforça a segurança da população em meio à fragilidade do policiamento estadual no Rio. Já críticos, incluindo sindicatos da própria categoria, veem a lei como um risco de precarização, uma vez que permite contratações temporárias sem concurso e abre margem para politização de cargos.
Nos bastidores, a questão também provoca desconforto entre as Polícias Militar e Civil do Estado do Rio de Janeiro, que enxergam a iniciativa como uma tentativa de sobreposição de funções.
Impacto nacional
A decisão do STF terá reflexos além do Rio de Janeiro. Diversos municípios brasileiros acompanham o caso com atenção, uma vez que a ampliação de poderes das guardas municipais é tema recorrente em projetos de lei e propostas de emenda constitucional no Congresso.
Se a corte declarar a lei carioca inconstitucional, ficará ainda mais restrito o espaço para iniciativas semelhantes em outras cidades. Por outro lado, caso haja validação, abre-se um precedente para que prefeituras ampliem significativamente o papel das suas guardas.
Debate em evidência
As ADPFs contra a Força Municipal do Rio colocam em evidência o debate sobre os limites constitucionais da segurança municipal. O STF será chamado a arbitrar se a capital fluminense pode manter uma guarda armada com regime especial de contratação ou se a medida viola princípios fundamentais.
Enquanto isso, a polêmica cresce, dividindo opiniões entre quem defende o fortalecimento das guardas municipais e quem alerta para os riscos de inconstitucionalidade e de precarização dos serviços de segurança.
Com a resposta da Prefeitura e da Câmara e os pareceres da AGU e da PGR, o julgamento deve se transformar em um dos principais marcos jurídicos sobre o futuro das guardas municipais no Brasil.
QSL News: polícia em foco.