Nos últimos dias alguns portais regionais de notícias publicaram matérias sobre um Projeto do Governo Federal acerca do uso de tablets por parte de presos que cumprem pena em Penitenciárias Federais, sob custódia da Polícia Penal Federal – PPF.
Não são notícias sensacionalistas pois trata-se de detentos da mais alta periculosidade do país e, por isso, o assunto ganha notoriedade.
Altíssimo risco
São detentos considerados de altíssimo risco, como hackers, líderes do jogo do bicho e integrantes de facções criminosas, gerando forte reação dos agentes de segurança, que temem o enfraquecimento da custódia diferenciada e possíveis brechas no controle penitenciário.
Notas
Uma nota divulgada por Sindicato dos Policiais Penais Federais em Rondônia trouxe o alerta:
“POSICIONAMENTO DA CATEGORIA
A proposta de fornecimento de tablets a pessoas privadas de liberdade não representa a realidade das unidades prisionais federais — e tampouco atende às prioridades da segurança pública.
A introdução desse tipo de tecnologia, sem escuta real da base, expõe os servidores e a sociedade a riscos sérios, enfraquece o controle nas unidades e desvia o foco do verdadeiro papel institucional da Polícia Penal Federal.
Não aceitaremos projetos que fragilizam a segurança em nome de uma suposta modernização.
Tablets para presos? Não em nosso nome.”
A SENAPPEN, que é um órgão do Ministério da Justiça, emitiu Nota:
“O objetivo central é justamente aprimorar os mecanismos de controle sobre as pessoas custodiadas e, ao mesmo tempo, conferir maior efetividade ao trabalho dos Policiais Penais, Especialistas e Técnicos, migrando progressivamente dos esforços operacionais manuais para ações de caráter mais estratégico e intelectual.
Entre os benefícios esperados com a implementação do sistema, destacam-se:
• Diminuição da circulação de pessoas nas áreas de segurança máxima;
• Vistorias de celas mais eficientes e rápidas;
• Substituição de procedimentos manuais e em papel por soluções digitais;
• Redução do número de servidores em atividades burocráticas;
• Maior oferta assistencial com uso racional de recursos humanos;
• Acompanhamento em tempo real das atividades e solicitações realizadas.”
Segundo a SENAPPEN a segurança será fortalecida e aprimorada. O projeto encontra-se atualmente em fase de estudo de viabilidade.
Vê-se que o órgão considera viável a disponibilização de tablets restritos, com acesso controlado a conteúdo previamente autorizado. Os dispositivos, neste contexto, não teriam conexão à internet nem seria permitido o uso livre.
Parece razoável se essa for mesma a finalidade: aprimoramento da custódia
Sistema Penitenciário Federal
O Sistema Penitenciário Federal (SPF) é composto por cinco unidades de segurança máxima, concebidas para isolar presos de alta periculosidade, especialmente lideranças de organizações criminosas. As penitenciárias são geridas pela SENAPPEN, subordinada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Criado em 2006 com a inauguração da unidade de Catanduvas (PR), o sistema conta hoje com presídios também em Campo Grande (MS), Porto Velho (RO), Mossoró (RN) e Brasília (DF), totalizando cerca de 1.040 vagas, com ocupação abaixo de 50% recentemente.
O regime adotado é de confinamento integral, com permanência em cela individual, monitoramento 24 horas por câmeras e rígidos protocolos de segurança, inspirados em modelos norte-americanos de supermax.
As unidades se mantêm como referência de disciplina e vigilância, com uso de detectores de metais, scanners corporais, biometria, sensores e videomonitoramento avançado, tendo infelizmente uma mácula em sua história que foi a fuga de dois detentos em 2024.
Real Conflito
A ausência de manifestação do Diretor da Polícia Penal Federal causa estranheza e parece denotar o real conflito em torno da questão dos tablets.
Percebe-se nas mídias sociais da categoria de Policiais Penais Federais um certo embate institucional. O que levanta a questão: uma polícia vinculada a uma secretaria, como é o caso da PPF, especialmente no âmbito da administração pública federal, foi a melhor caminho para essa mais nova Polícia da União?
Vê-se que essa opção pode gerar diversos problemas estruturais, operacionais e de autonomia institucional.

Vinculação: pontos que merecem reflexão
Abaixo estão os principais pontos críticos dessa vinculação:
1. Falta de autonomia funcional
Quando uma força policial — como a Polícia Penal, a Polícia Civil ou mesmo a Guarda Municipal — está subordinada diretamente a uma Secretaria de Estado ou Ministério, ela perde autonomia para definir prioridades operacionais, políticas de segurança e decisões administrativas. Isso significa que:
- A gestão pode ficar refém de interesses políticos momentâneos;
- Comandantes e diretores podem ser substituídos por conveniência política;
- Investigações ou operações podem ser travadas, desviadas ou manipuladas conforme interesses externos à segurança pública.
2. Politização da segurança pública
A subordinação direta pode transformar decisões técnicas em decisões políticas. Em períodos eleitorais, por exemplo, ações policiais podem ser usadas para fins midiáticos ou eleitoreiros, enfraquecendo a credibilidade da instituição e a confiança da população.
3. Burocracia e lentidão administrativa
Secretarias, por natureza, são estruturas burocráticas e generalistas. Ao colocar uma polícia sob sua alçada, processos como aquisição de equipamentos, nomeações, treinamentos e promoções tendem a ser mais lentos, travando o funcionamento da corporação.
4. Conflitos de interesses e sobreposição de competências
Quando diversas polícias estão vinculadas à mesma secretaria (ex: Civil, Penal e Técnico-Científica sob a Secretaria de Segurança Pública), pode haver:
- Disputa por recursos orçamentários;
- Conflitos de atribuição e protagonismo em operações;
- Falta de integração e rivalidade institucional.
5. Desvalorização da carreira policial
A ausência de independência institucional muitas vezes contribui para a desvalorização da carreira, com estagnação salarial, falta de reconhecimento, estrutura precária e baixa representatividade nas decisões estratégicas da segurança pública.
Autonomia constitucional
Um caminho possível para isso é a autonomia constitucional. Muitas entidades de classe e especialistas defendem que polícias sejam autônomas constitucionalmente, com direção própria, orçamento próprio e regime jurídico específico, como ocorre com o Ministério Público e o Judiciário. Isso garantiria:
- Maior profissionalismo;
- Redução de interferência política;
- Planejamento de longo prazo com foco em resultados.
Uma polícia subordinada a uma secretaria pode se tornar um instrumento político, perder eficiência e comprometer sua missão constitucional. O fortalecimento institucional, com garantias de autonomia técnica e administrativa, é fundamental para uma segurança pública eficaz, imparcial e respeitada.
A conferir.
QSL News: polícia em foco.